Os efeitos pianísticos sobre o coração

(in O íntimo ofício: memórias, Ed. Scortecci,

São Paulo, 2007)

"A poucos quarteirões do posto de gasolina ficava a casa de dona Mimosa. Para mim, aprendiz da expressão artística, aquela delicada senhora era a melhor pianista do mundo. Minco não gostava do tipo de música que ela tocava, mas algumas vezes, nos fins de tarde, foi comigo ouvir os recitais de dona Mimosa.

Fascinava-me a música daqueles compositores com nomes impronunciáveis, que dona Mimosa tratava como se fossem pessoas da sua intimidade. Comoviam-me aquelas notas que dona Mimosa tirava magicamente de suas partituras tão desgastadas pelo tempo e pelo uso.

O piano foi o primeiro instrumento musical em relação ao qual eu me coloquei na condição absoluta de venerador. O piano de parede de dona Mimosa, um lustrado Steinway & Sons, destacava-se como um totem em meio à confusão de móveis antigos e objetos de decoração de diferentes épocas e estilos que se amontoavam sobre mesinhas e aparadores, a deixarem a sala intransitável e com aparência de loja de quinquilharias.

A porta que dava acesso à sala de musica era ladeada por uma trinca de borboletas amarelas feitas em porcelana mais uma trinca de andorinhas azuis, as quais se arvoravam para o alto. As paredes da sala eram repletas de retratos enquadrados de dona Mimosa a tocar um piano de calda nos tempos de conservatório.

Pesadas cortinas num tom vermelho-castanho, feitas de damasco adornado com ricos desenhos de flores em toda a amplitude do tecido, cobriam a parede onde ficava uma enorme janela basculante que proporcionava grande entrada de luz.

Eu apreciava sentar nas cadeiras de braços com assentos de damasco grená, que faziam conjunto com um sofá, para ouvir a música romântica de Tchaikovsky, o compositor predileto de dona Mimosa. Aquela sala era como um templo dedicado aos deuses da música."

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